Síndrome de Burnout desperta cuidado com a saúde mental nas empresas
Nos últimos 2 anos, o Brasil registrou 1.164 casos de afastamento de trabalhadores por causa de esgotamento profissional, segundo o INSS; subnotificação mascara realidade da patologia reconhecida como doença ocupacional pela OMS
Desde 1º de janeiro deste ano, a Síndrome de Burnout, conhecida como a patologia do esgotamento profissional, passou a ser classificada como doença ocupacional pela OMS (Organização Mundial da Saúde). A mudança, afirmam especialistas, obriga as empresas a intensificarem ações de cuidado e prevenção à saúde mental dos seus trabalhadores.
No Brasil, nos últimos 2 anos, 1.164 pessoas foram afastadas do trabalho por causa da Síndrome, segundo dados da Previdência Social. Na região, as empresas Villares Metals e BRK, de Sumaré, são exemplos nas ações de cuidado com a saúde mental dos funcionários (veja reportagens nesta página).
A psicóloga Heloisa Aparecida de Souza, professora da Puc-Campinas (Pontifícia Universidade Católica), doutora em saúde mental relacionada ao trabalho, alerta que, atualmente, o adoecimento psíquico é considerado a terceira maior causa de afastamento das atividades laborais, perde apenas para lesões musculares e acidentes de traumatismo.
“A saúde mental em nossa sociedade ainda é um tabu. As pessoas procuram com muito mais facilidade um cardiologista, um ortopedista do que um profissional especializado na saúde mental. Mesmo os números mostrando o crescimento dos casos de depressão, ansiedade generalizada, Síndrome de Burnout, as pessoas buscam ajuda quando estão bastante comprometidas. É algo que é subnotificado, a gente acaba desconhecendo esses problemas na sua intensidade ou em intensidade menores. Então, provavelmente é um problema muito maior do que as estatísticas demonstram”, avalia a especialista, que estuda a saúde mental relacionada ao trabalho há mais de 10 anos.
Situações de ameaça de desemprego, super exigência, metas inatingíveis, assédio, violência psicológica, sentimento que não é bom o suficiente por causa do excesso de cobrança, comparação exagerada. Todos esses elementos, exemplifica Heloisa, geram um desgaste e podem levar ao adoecimento mental do trabalhador.
“O sofrimento mental não tem uma única causa. Depende de uma combinação de elementos biológicos, psicológicos e sociais. Mas, não podemos deixar de considerar a forma como a gente organiza o trabalho na nossa sociedade como um elemento que pode favorecer o adoecimento mental”, pondera a psicóloga.
A especialista explica que o trabalho é um elemento essencial que pode impactar de forma positiva ou negativa na vida das pessoas. “São muitas horas do dia dedicadas a essa atividade... A gente acaba organizando a nossa vida social, lazer, nos momentos que sobram... Como elemento central, ele (trabalho) tem uma função paradoxal: pode contribuir diretamente para a realização, pertencimento social, desenvolvimento do potencial criativo, sensação de bem estar e saúde. Outras vezes, pode estar associado ao sentimento de solidão, despertencimento, sofrimento, podendo levar o indivíduo ao adoecimento físico, mental e, muitas vezes até à morte. É importante ter em mente essa contradição”, explica Heloísa.
NÃO SOMOS ROBÔS
Para a especialista, o reconhecimento da Síndrome de Burnout como doença ocupacional pela OMS representa uma alerta. “Precisamos estar atentos sobre a necessidade de romper os tabus que nos impedem de falar sobre saúde mental e a dimensão do ser humano inserido no seu local de trabalho. Não somos máquinas, não somos robôs, temos emoções, sensações, necessidades diversificadas e precisamos estar atentos a isso. A humanização da gestão das empresas passa por esse olhar de perceber as necessidades integrais dos trabalhadores, de proporcionar um espaço que ele se sinta acolhido e não ameaçado”, afirma psicóloga.
‘É PRECISO ESCUTAR O TRABALHADOR E CONSCIENTIZÁ-LO’
A psicóloga Heloisa Aparecida de Souza, especialista em saúde mental relacionada ao trabalho, observa que a Síndrome de Burnout normalmente acomete funcionários muito engajados, comprometidos, que querem desempenhar seu papel da melhor forma possível, mas encontram uma série de dificuldades em seu ambiente de trabalho, que levam ao esgotamento profissional.
Para ela, a prevenção do adoecimento psíquico é responsabilidade de toda a sociedade. Segundo a especialista, felizmente, nos últimos 10 anos, as empresas demonstram mais preocupação com essa questão. “Tão necessário quanto o conforto físico é ter um conforto mental e social. E essa responsabilidade é de todos os agentes sociais: empresa, poder público e cada indivíduo”, afirma Heloisa.
A psicóloga orienta que um ambiente de trabalho saudável proporciona espaço para refletir sobre qualidade de vida e saúde mental. “Assim, é possível quebrar o tabu de que um sintoma psíquico é sinal de fraqueza e que leva, muitas vezes, o indivíduo a esconder o seu sofrimento e deixá-lo vir à tona somente quando estiver insuportável. A escuta que valoriza a percepção, o olhar de todos os funcionários é muito importante”, sugere a psicóloga.
Campanhas de conscientização é outra proposta da especialista para as empresas. “Assim como a gente faz campanha de prevenção ao diabetes, hipertensão, que são doenças muito comuns, a gente pode passar a falar das possibilidades de prevenir o sofrimento mental”, completa Heloisa.
COLABORADORES DA BRK CONTAM COM ATENDIMENTO PSICOLÓGICO GRATUITO
Para garantir qualidade de vida e atenção à saúde mental dos trabalhadores, a BRK, concessionária do sistema de água e esgoto de Sumaré, criou o Programa de Apoio Pessoal Viva Bem.
Em funcionamento desde abril de 2020, o programa oferece suporte especializado em saúde e educação, disponibilizando apoio psicológico em auxílio à saúde mental dos colaboradores. A BRK atua em mais de 100 municípios brasileiros. Em Sumaré conta com 200 funcionários.
De acordo com a assessoria de imprensa da BRK, o Viva Bem também oferece acompanhamento psicológico aos funcionários que perderam familiares nos últimos anos, seja por Covid-19 ou outras causas; visando garantir apoio à condição de luto. Às funcionárias que são mães, o Viva Bem também oferece assistência direcionada de psicólogos, assistência social, nutricionistas e enfermeiros em auxílio à maternidade, informa a assessoria.
Todos os serviços oferecidos pelo programa Viva Bem – orientação psicológica, financeira, jurídica, pedagógica, nutricional, fisioterápica, de serviço social e em educação física - são benefícios que também se estendem aos familiares dos funcionários. Os serviços são totalmente gratuitos, sigilosos e de uso ilimitado, destaca a empresa.
Em 2021, o benefício atendeu de forma gratuita cerca de 1.800 pessoas, entre funcionários e familiares, nos diversos serviços ofertados. No primeiro trimestre deste ano, já foram 489 pessoas atendidas.
AMBIENTE DE TRABALHO SAUDÁVEL
Trabalhador participa ativamente e compreende o sentido da sua atividade
É valorizado, não somente financeiramente, mas também socialmente
Permite momento de pausa para o cafezinho e favorece as relações interpessoais
Olha para o trabalhador em sua integralidade enquanto desenvolve sua função
SINAIS DE ALERTA PARA O BURNOUT
Cansaço excessivo, físico e mental.
Dor de cabeça frequente.
Alterações no apetite.
Insônia
Dificuldades de concentração.
Sentimentos de fracasso, incompetência e insegurança.
Alterações repentinas de humor.
Isolamento.
Fadiga.
Pressão alta.
Dores musculares.
Problemas gastrointestinais.
Alteração nos batimentos cardíacos
VILLARES IMPLANTA TESTE DIGITAL PARA ‘MEDIR’ NÍVEL DE ESTRESSE DE FUNCIONÁRIOS
A Villares Metals lançou, em 2020, o Programa Tô Ligado. Por meio dele é realizado um teste digital, diariamente, com o objetivo de avaliar a atenção e o estresse dos funcionários na sua entrada ao trabalho. A ação faz parte do Programa de Saúde Mental implantado pela empresa desde 2017. A fabricante de aços, com matriz em Sumaré, tem cerca de 1.600 funcionários.
De acordo com a Assessoria de Imprensa da empresa, quando o teste detecta desvios que possam impactar a segurança do funcionário e dos seus colegas, ele é orientado a procurar a área de saúde ou o seu gestor.
Além disso, ao final do teste é possível que o colaborador expresse como está se sentindo, permitindo ações preventivas de cuidados a saúde mental e bem estar emocional.
O Programa de Saúde Mental conta com um corpo clínico formado por três psicólogas, segundo a assessoria de Imprensa. Os gestores da Villares recebem treinamento e capacitação sobre o tema.
Segundo a Assessoria de Imprensa, a multinacional também realiza campanhas educativas como Janeiro Branco de Conscientização sobre a Saúde Mental e Setembro Amarelo de Prevenção ao Suicídio.
O Programa já apresenta resultados. Segundo a empresa, são mais de 300 funcionários atendidos e redução em 6% de ausência do trabalho. A companhia também notou um aumento importante do bem estar dos colaboradores, com impacto positivo na qualidade de vida do trabalho, segurança, vida pessoal e familiar.
Desde 2015, a Villares Metals trabalha na construção do programa de qualidade de vida, que oferece atendimentos multiprofissionais, focado em prevenção e diagnóstico precoce de patologias. O Programa de saúde Mental, implantado em 2017, faz parte dele.
PSICOTERAPIA GRATUITA
Marcela Rangel, analista de MKT da Villares Metals, faz psicoterapia gratuitamente pelo Programa da empresa. A funcionária conta que foi uma sugestão dada pela equipe do ambulatório médico durante uma avaliação periódica.
“Desde então, tenho consultas semanalmente e, hoje, graças a todo o suporte que me é prestado, consigo olhar para trás e visualizar claramente os avanços que tive, não só na vida profissional, como no pessoal também, porque somos seres inteiros e não divididos em “caixinhas”, comenta Marcela.
INSS REGISTRA MAIS DE 1.100 AFASTAMENTOS POR ESGOTAMENTO PROFISSIONAL
O INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) ainda não tem dados estatísticos deste ano sobre pedidos de afastamento temporário por causa da Síndrome de Burnout, após a nova classificação como doença ocupacional. Antes, a síndrome era considerada um distúrbio mental do indivíduo, sem relação direta com o ambiente de trabalho.
De acordo com órgão, em 2020, foram concedidos no Brasil 610 benefícios por incapacidade temporária (antigo auxílio doença) com a CID Z 73.0 - Esgotamento (Burnout). Em 2021, foram concedidos 554.
A Secretaria de Previdência esclarece que qualquer doença ou agravo à saúde do segurado, que seja avaliada pela Perícia Médica Federal como incapacidade temporária, pode gerar a concessão de benefício por incapacidade temporária.
Nesses casos, explica a Secretaria, o foco da avaliação não é a doença (ou incapacidade) em si, mas sua repercussão no desempenho das atividades laborais.
O benefício é devido ao segurado que tenha que ser afastado do trabalho por mais de 15 dias. Via de regra, os primeiros 15 dias são pagos pelo empregador. Por se tratar de uma incapacidade para o trabalho, o segurado deve agendar uma perícia médica pelo telefone 135, pelo aplicativo Meu INSS ou pelo site gov.br/inss, informa a Secretaria de Previdência.
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