Saúde
Tecnologia será alternativa de tratamento menos invasivo para pessoas com obesidade severa

Pesquisadores da Unicamp desenvolvem dispositivo que controla obesidade grave

Da Redação | Tribuna Liberal

Pesquisadores da Unicamp desenvolvem um dispositivo eletroestimulador para induzir o organismo a produzir hormônios responsáveis pela sensação de saciedade, promovendo o controle do apetite e dos hábitos alimentares. O objetivo é oferecer às pessoas com obesidade severa uma alternativa menos invasiva que a cirurgia bariátrica ou o balão gástrico. Os pesquisadores, agora, iniciam uma nova fase de estudos em que será avaliado o mecanismo do eletroestimulador.

A tecnologia realiza a conexão da atividade elétrica gástrica com as respostas hormonais do sistema nervoso central. O dispositivo possui uma unidade responsável pelo controle e geração dos sinais necessários para sensoriamento e estimulação da parede gástrica. Também possui um ou mais cabos-eletrodos que são implantados na parede gástrica anterior (proximal ao piloro) para a condução dos sinais.

Os estudos tiveram início em 2015, quando a Unicamp foi procurada pela InPulse, uma empresa de Florianópolis, capital de Santa Catarina, que apresentou um modelo de eletroestimulador e buscava parcerias para realização de testes e análise de sua viabilidade.

Com a parceria firmada com o Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades da Universidade, na primeira rodada de experimentos, fase pré-clínica realizada entre 2015 e 2018, foram feitas testagens em três grupos de porcos pelo período de 30 dias. A resposta positiva resultou na obtenção de patente, que foi depositada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial com apoio da Agência de Inovação Inova Unicamp e licenciada para a InPulse.

Raquel Franco Leal, pesquisadora do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e responsável pela equipe envolvida nos estudos, explica que os animais deixaram de ganhar peso dentro da curva de crescimento. Para os testes, um grupo de porcos permaneceu com o eletroestimulador ligado, outro com o dispositivo implantado, porém desligado, e o terceiro foi mantido no local, sem qualquer intervenção.

O dispositivo foi implantado por uma laparotomia — cirurgia realizada por meio de uma abertura abdominal. O eletrodo foi colocado na parede do estômago e, por um cabo, conectado à fonte geradora acoplada de forma subaponeurótica, ou seja, abaixo da musculatura. “Esse trabalho serviu para vermos o efeito do dispositivo. Diante de resultados positivos, partimos para uma nova fase do projeto, que será entender seu mecanismo”, explica a pesquisadora.

NOVA RODADA

Com essa nova rodada de estudos, que irá durar pelo menos dois anos, os pesquisadores querem confirmar se o eletroestimulador é capaz de reduzir o peso. Se isso for comprovado, a equipe buscará entender como ele age no organismo e se, de fato, o resultado está associado à produção hormonal.

Para isso, serão coletados os tecidos dos animais que tiverem os dispositivos implantados para estudos do fígado, tecido adiposo, sangue periférico etc. “Os porcos da primeira fase de testes tiveram perda de peso. Mas precisamos entender como isso está acontecendo e se pode ter outras ocorrências que interferem nesse resultado”, afirma Leal.

Os testes serão aplicados em porcos adultos, com cerca de 50 quilos, diferentemente da primeira fase, em que foram utilizados animais de 15 quilos e em fase de crescimento. “Num primeiro momento, pensamos em desenvolver o dispositivo para crianças obesas. Nesta segunda rodada de experimentos, iremos focar em pacientes adultos, entre os quais há mais casos de obesidade. Se houver efeito, teremos um resultado mais fiel do que pode ocorrer com um humano”, acrescenta a pesquisadora.

Em relação ao dispositivo, a equipe tem realizado modificações para aumentar a durabilidade da bateria do gerador e para que a sua localização seja mais acessível e facilite o monitoramento. “Apesar das melhorias que já realizamos, neste momento, estamos focados em avaliar o sinal e método. Somente após os resultados, iremos desenvolver o equipamento para melhorar o modelo de uso e torná-lo viável comercialmente”, explica Gabriel Veloso Paim, diretor técnico da InPulse.

O grupo também contará, agora, com dois engenheiros do Centro de Engenharia Biomédica da Unicamp, que darão um apoio maior nas modificações e ajustes do dispositivo que sejam necessários. Para Lucas Casagrande Neves, CEO da InPulse, a inclusão dos engenheiros irá acelerar as pesquisas. “Por serem da engenharia, além de agregar conhecimentos da área, os profissionais irão facilitar a comunicação dos processos e ser um elo conosco.”

A proposta é que o eletroestimulador, no futuro, seja implementado por meio de videolaparoscopia, uma técnica cirúrgica minimamente invasiva realizada por auxílio de uma endocâmera no abdômen. A cirurgia bariátrica, que é uma das principais alternativas para pacientes com obesidade grave, embora eficiente, pode não ser uma solução definitiva, uma vez que o reganho de peso é bastante comum. “Pessoas com obesidade grave têm prognóstico muito ruim devido às comorbidades associadas. Por isso, é importante ter alternativas para esses pacientes”, ressalta Leal.

Para Paim, a parceria entre a Unicamp e a InPulse tem sido importante para atender a uma lacuna existente entre engenharia e medicina, que dificulta o desenvolvimento de soluções inovadoras para a área da saúde. “O desejo de médicos de desenvolver um equipamento como este é antigo, tanto que há artigos científicos sobre o assunto desde a década de 1970. No entanto, é preciso ter conhecimento em engenharia para que a tecnologia seja desenvolvida. Essa ligação entre engenharia e biomedicina na Unicamp tem se mostrado cada vez mais necessária”, finaliza.

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