Irmã Rita de Albuquerque falece após 56 anos de dedicação às causas sociais
Muito conhecida em Sumaré por causa de sua atuação nas comunidades da região do São Judas Tadeu, irmã Rita morreu nesta segunda-feira aos 95 anos; enterro será em Campinas
Faleceu nesta segunda-feira (18/04), aos 95 anos, Rita Barroso de Albuquerque, a Irmã Rita. Muito atuante no bairro São Judas Tadeu, em Sumaré, irmã Rita morreu de causas naturais. Ela se dedicou por 56 anos aos mais necessitados da região. Era considerada embaixadora do bairro.
Segundo a Sociedade São Judas Tadeu, ela foi internada na
quinta-feira passada (14/04) com pneumonia, mas não resistiu e faleceu nesta
segunda-feira. O velório acontece hoje, das 12h às 15h e o sepultamento às 15h no Cemitério da Saudade, na Avenida da Saudade, bairro Ponte Preta, em Campinas.
Muito atuante na comunidade, irmã Rita tem um histórico de vida e de obras de caridade que impressionam. Migrante nordestina, ela deixou o Ceará para viver em Sumaré. Ela foi freira na Congregação das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado, em Campinas.
No antigo bairro do Jardim Aparecida, limite entre Sumaré e Campinas, Irmã Rita começou um trabalho de catequese, ao lado de outras irmãs, em 1955. Dedicou sua vida aos mais necessitados.
Apicultora, assistente social, odontóloga e aviadora – foi a primeira mulher do Ceará a ter brevê – a jovem freira liderou a fundação da Sociedade Beneficente São Judas Tadeu, em 1965, que é a primeira entidade filantrópica de Sumaré, atuando até nos dias atuais na assistência e promoção social do município.
Segundo a Associação Pró-Memória de Sumaré, nesse meio século de atividades sob a liderança da freira, a Sociedade promoveu cursos de alfabetização, aprendizagem de técnicas de artesanato, tecelagem, corte e costura, datilografia, além de distribuição semanal de alimentos e roupas.
Em um bairro carente de lazer, ela promovia bailinhos para adolescentes e jovens, campanhas de alfabetização, quermesses e torneios esportivos. Conseguiu levar iluminação de rua para a Avenida São Judas e ajudou a trocar o nome do bairro – antigo Jardim Aparecida – para Bairro de São Judas Tadeu.
Formada em odontologia, atendeu por muitos anos, de graça, os que precisavam de tratamento dentário. Conseguiu ainda levar para o bairro médicos voluntários para atuar junto à comunidade. Sempre repetia o refrão, que era seu lema de vida: “A gente não deve apenas dar o peixe, mas ensinar a pescar”.
Nos primeiros anos de atuação, todas as atividades eram realizadas nas dependências da igreja. E conseguiu construir a ampla sede da Sociedade, suficiente para abrigar as irmãs missionárias e oferecer espaço para atividades sociais. Para garantir a continuidade dos trabalhos, conseguiu que a entidade fosse reconhecida como de Utilidade Pública Municipal e Federal. Ela mesma recebeu o título de Cidadã Sumareense.
O ANJO QUE GUARDA SUMARÉ
Rita Barroso de Albuquerque era filha de Antonio Barroso de Albuquerque e Eugênia Guedes Barroso. Nasceu no dia 11 de maio de 1926, em Guaramiranga-CE. Fez o curso primário em Fortaleza-CE e o ginasial na Escola Americana Batista, no Rio de Janeiro. Era dentista, formada em Fortaleza-CE.
Foi a primeira aviadora a pilotar avião no Ceará. Depois de formada, ingressou na ordem religiosa Missionárias de Jesus Crucificado. Mudou-se para Sumaré na década de 1960 onde se tornou fundadora e presidente da Sociedade Beneficente São Judas Tadeu. Recebeu o título de Cidadã Sumareense, outorgado pela Câmara Municipal de Sumaré. Era conhecida como Irmã Rita, o Anjo que guarda Sumaré.
DISCURSO DE HOMENAGEM
Como toda pessoa humilde, a Irmã Rita não gosta de homenagem. Por um motivo simples: ela não gosta de aparecer. Mas, apesar de receber muitas homenagens em sua longa existência, a Associação Pró-Memória, quando Sumaré comemora 150 anos, faz questão de incluí-la entre as pessoas que podem ser chamadas de “Memória Viva de Sumaré”.
Entre os milhares de migrantes nordestinos que chegaram a Sumaré a partir dos anos 50, a jovem Rita Barroso de Albuquerque se destacava entre todos. Caçula de 16 irmãos, nascida em 1926, em Guaramiranga, Ceará, Rita sempre se destacou como estudante exemplar e líder estudantil, chegando a liderar movimentos de caráter social para atender os menos favorecidos em Fortaleza. Bonita e inteligente, nessa ocasião foi eleita também Rainha dos Estudantes. Espírito esportivo e irrequieto, integrava o Aero Clube do Ceará e com apenas 17 anos recebeu o brevê de aviadora civil, sendo a primeira mulher do Estado a conseguir essa proeza.
Em 1972, no Sesquicentenário da Independência, ela recebeu medalha da F.A.B, pelos 25 anos de aviadora civil. Fez o Ginásio e o Científico, e depois ingressou na Faculdade de Odontologia do Ceará, e em seguida fez a pós-graduação. Tinha 23 anos. Por essa época conheceu as freiras Missionárias de J. C. , que tinham como lema: manter um pé no convento e um pé na rua. Era isso que ela queria. Tinha 26 anos quando ingressou na Congregação da Missionárias de J.C. (em 1952) em Campinas. Em 1955 começou a trabalhar no São Judas. Três anos depois emitia os votos perpétuos (1959), quando colocou em sua mão esquerda a aliança matrimonial de sua falecida mãe.
Começou a trabalhar em Sumaré, onde hoje é o bairro de São Judas, dando catecismo às crianças nos fins de semana. Na época, era o lugar mais pobre e despovoado do Município. Acompanhada por duas irmãs, visitava as famílias, quando foi percebendo que não bastava ensinar religião, mas era urgente dar melhores condições de vida humana àquelas pessoas. Sem recursos financeiros, pediu então apoio da Madre Superiora da Congregação, que achou impossível qualquer ajuda material, ao que a Irmã Rita respondeu: “A senhora me dá apenas licença e eu vou ver o que posso fazer”.
Aqui começa então a breve narrativa do protagonismo de uma mulher que durante mais de 50 anos trabalhou pelo próximo, pelo São Judas, por Sumaré. Uma história que precisaria de um livro inteiro para ser contada.
Mãos à obra, com muita determinação e garra, a nordestina porreta conseguiu dos católicos da Alemanha um gabinete dentário para atender as pessoas do bairro. Logo em seguida construiu três pequenas salas: para Consultório Medico, Farmácia e Gabinete Odontológico, e mais uma salinha de espera, ao mesmo tempo em que improvisava na capela um dispensário onde distribuía alimentos e roupas.
Não havia energia elétrica para funcionar o gabinete dentário. Irmã Rita conseguiu de uma empresa a doação dos 95 postes para iluminação da atual Avenida São Judas. Trouxe também de Campinas dois médicos voluntários para atender os pobres duas vezes por semana. Enquanto isso, ela mesma durante anos a fio, atendia as pessoas no consultório dentário, sem cobrar um centavo.
Em 1965, por iniciativa dela foi fundada no Bairro a Sociedade Beneficente São Judas Tadeu, que coordenava todas as atividades e que existe até hoje, e que realiza notável trabalho de Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, atendendo a uma centena de crianças, adolescente e idosos,
Em 1966, a Sociedade ganhou da Prefeitura um terreno para construir seu Centro Comunitário para sediar as atividades sociais e administrativas. O prédio de 950 metros de construção foi inaugurado em 1972 e é onde acontecem todas as atividades da entidade, até hoje.
Ao longo dos anos, a população aumentava e as demandas também. Liderada pela Irmã, a entidade organizou Cursos gratuitos de Alfabetização de Adultos, Datilografia, depois de Informática, Corte e Costura, Bordado, Pintura, Clube de Jovens, Clube de Mães para gestantes, Curso de Biomedicina, Cursos para idosos, Cursos de Relações Humanas. de Formação Cívica, Culinária e outros. Antes que o Governo Federal criasse o MOBRAL (Movimento Brasileiro de alfabetização em nível Nacional), a Irmã Rita já tinha criado um classe de alfabetizar adultos.
Para atender aos mais carentes, Irmã Rita conseguiu obter semanalmente alimentos do CEASA que distribuía às famílias cadastradas. Não dava simplesmente o alimento: condicionava a doação à frequência das pessoas em algum curso.
Para fazer frente aos enormes gastos da entidade na assistência aos mais necessitados, e nas despesas do dia a dia, Irmã Rita pedia ajuda da Prefeitura e da Câmara, das Secretarias Estaduais, dos políticos em geral, e das empresas. Sempre recebia e sempre prestava conta aos órgãos oficiais.
Seria muito longo enumerar aqui as homenagens e títulos que a Irmã Rita recebeu. Eis alguns:
- Medalha Cultural José Bonifácio de Andrade e Silva quando completou 17 anos de trabalho em Sumaré
- Medalha Comemorativa do Sesquicentenário da Independência do Brasil
- Placa da F.A.B. pelos seus 25 anos de Aviadora Civil (1972)
- Titulo de Cidadã Sumareense pela Cãmara Municipal de Sumaré.
- Reportagem de 4 páginas na revista O CRUZEIRO em 1959, a mais importante revista brasileira na época.
- Mais de uma dezena de Certificados de Cursos de Extensão Universitária e especialização.
Hoje, apesar dos seus 92 anos de idade, continua sempre fisicamente presente na entidade que ela fundou, agora estruturada em novos moldes, mas com o mesmos ideais de sua fundadora. Por essa razão, hoje ela continua sendo Presidente de Honra da Entidade.
Estas são algumas razões que levaram a Associação Pró-Memória a homenagear tão ilustre personalidade: Uma mulher que dedicou sua vida inteira aos outros, movida pela fé e pelo amor ao próximo, sem nada receber em troca. Uma mulher que deixou marcas profundas na história de Sumaré, e que merece, em vida, ser conhecida, reconhecida, admirada e imitada pelos seus exemplos de cidadania e dedicação.
Por isso, é com muito prazer e reverência que dizemos: obrigado Irmã Rita por tudo o que a senhora fez por Sumaré. Deus continue abençoando a senhora e suas coirmãs. Obrigado.
Discurso proferido pelo Professor Francisco Antonio de Toledo na homenagem prestada na Igreja Matriz de Sant’Ana no dia 11 de dezembro de 2018. (Texto publicado no Jornal Tribuna Liberal de 15/12/2018)
NOMES ILUSTRES DE SUMARÉ
Pouca gente consegue ter um pique de trabalho e de determinação como essa mulher, nascida no Ceará, mas vivida em Sumaré. Tinha tudo para ter um futuro diferente do que tem hoje: era aviadora e dentista. Com o brevê na mão, tornou-se a primeira mulher do país a pilotar um avião.
Com o
diploma de odontologia, escolheu um caminho alternativo para exercer a
profissão sem cobrar nada. Melhor dizendo, sem cobrar de quem não podia pagar.
Vestiu o uniforme da ordem das Irmãs de Cristo Crucificado e veio para Sumaré.
Determinada a construir um lar para ela e seus assistidos, foi a responsável pelo aparecimento da Sociedade Beneficente São Judas Tadeu, uma das maiores instituições filantrópicas de Sumaré e região. Está lá até hoje. Só não é uma santa canonizada porque ainda não chegou a hora. Mas quem recebeu sua ajuda a considera como tal. (Texto de Alaerte Menuzzo Publicado no Jornal Tribuna Liberal de 12/06/2016).
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