Saúde
Oncologista clínico do Centro de Oncologia Campinas, André Moraes, detalha reflexos do cigarro

Cigarro de palha ou cigarro eletrônico: versões diferentes para um mal semelhante

Da Redação | Tribuna Liberal

Cigarro convencional, “paiero”, cigarro eletrônico, narguilé. A indústria do tabaco é ativa no que se refere a criar releituras para o hábito que traz malefícios em todas as suas roupagens. O cigarro de palha, por exemplo, ganhou a atenção dos jovens apoiado pelo conceito de possuir menos elementos químicos, ser mais “natural” e, portanto, impactar menos a saúde em geral. E nada disso é verdade. O cigarro de palha tem uma potência tabágica cinco vezes maior que a do cigarro industrializado, explica André Moraes, oncologista clínico do Centro de Oncologia Campinas.

O Dia Nacional de Combate ao Fumo, celebrado nesta terça-feira (29), é mais uma ocasião para lembrar que o cigarro é um problema de saúde pública e uma causa evitável de mortes, independentemente da versão em que se apresente. Já é sabido que pelo menos 40% dos óbitos por doenças em todo o mundo estão relacionados ao tabagismo.

“Se olhar especificamente para o câncer, o tabaco é o agente causal mais importante. Está associado a uma série de tumores, não só de pulmão, mas do trato aéreo digestivo alto, pâncreas, rim, colo de útero em mulheres, bexiga. Talvez seja mais importante a interferência do tabaco nas doenças de bexiga do que nas de pulmão”, exemplifica André Moraes.

Os vapes (cigarros eletrônicos) e os “paieros” (de palha) são responsáveis por disseminar entre os jovens a falsa ideia de acarretarem menor risco à saúde em comparação ao cigarro industrializado. Segundo o oncologista do COC, esse discurso se resume a uma estratégia de marketing da indústria para recuperar terreno no mercado de consumo.

“Um indivíduo que fuma quatro cigarros de palha por dia, na verdade está fumando um maço de cigarro industrializado pela proporção das toxinas. O cigarro de palha tem uma potência tabágica cinco vezes maior que a do cigarro de papel. Do ponto de vista da dosagem de alcatrão e nicotina, as concentrações são maiores”, afirma Moraes.

É errado também, diz o médico, acreditar que o filtro de feltro usado nos cigarros de palha tem a capacidade de amenizar os malefícios. “Essa foi outra jogada de marketing para iludir os fumantes no sentido de que aquele filtro diminuiria a quantidade de toxinas. O filtro fica da cor de alcatrão, mas na verdade não tem impacto do ponto de vista de saúde”.

A linha de evolução do tabagismo corre em paralelo à do aumento das doenças cujos riscos são ampliados pelo tabaco. “Lá no início do século 20, em 1902, o câncer de pulmão representava 2% dos cânceres humanos e hoje chega a 17%. Depois da Primeira Guerra Mundial, o hábito de fumar foi difundido. A partir dali vieram as propagandas fantásticas que vendiam imagem de riqueza e sucesso. O vício cresceu e as doenças também”, conta o médico.

Dados indicam ainda que novas doenças pulmonares estão sendo diagnosticadas por causa da adoção de diferentes hábitos de fumar. “Recentemente tivemos a notícia do falecimento de um jovem por uma infecção fúngica, ou seja, um tipo de mofo, novo, que não era causador de doenças em seres humanos, mas que se tornou nesses indivíduos que usam o vape”, informa.

Tabagista

André Moraes explica que é aceita uma definição de tabagista para o indivíduo que fuma um cigarro por dia há pelo menos um ano. “Isso significa que esse indivíduo sofre influências das substâncias químicas presentes no cigarro como todos os tabagistas. É óbvio que a dose está diretamente relacionada a doenças diferentes. Quanto maior a carga tabágica, maior o risco de ter determinadas doenças”, esclarece.

Ex-fumante, do ponto de vista clínico, é aquele indivíduo que abandonou o vício há pelo menos 14 anos, define Moraes, do ponto de vista dos riscos de câncer de pulmão. Para outras doenças, o período de abstinência do vício é ainda maior. “A gente estima que demore cerca de 14 anos sem fumar para um indivíduo que foi tabagista retornar ao nível próximo daqueles indivíduos que nunca foram tabagistas, do ponto de vista do risco de desenvolver câncer de pulmão”, diz.

Informação contra a propaganda

É importante, observa o oncologista, divulgar a informação de que cigarros de palha e vapes também viciam, como os industrializados. Eles possuem substâncias biologicamente ativas que induzem o indivíduo ao uso crônico. “É mais ou menos semelhante ao que a velha nicotina do cigarro industrializado causa”, reforça Moraes. “Tem muita gente comprando tabaco e construindo cigarro de palha como se isso fosse menos tóxico, mas é pura ilusão”.

O argumento de que o cigarro industrializado tem muita química, ao contrário do de palha, indica Moraes, não possui fundamento científico. “A toxicidade de alcatrão e nicotina, por exemplo, que são drogas que depositam lixo na via respiratória e causam dependência, é mais concentrada no cigarro de palha. Isso é um fato importante, precisa ser divulgado e repassado aos jovens que entraram nessa onda”, alerta.

Moraes acrescenta que “movimentos contra o fumo são bons para lembrar que o tabagismo é uma causa importante para desenvolvimento de doenças. É um mal que a gente conhece, passível de intervenção.”

A indústria do tabaco, observa, é violenta e inovadora. Os cigarros vapes, que prometem ter menos toxinas, impõem uma falsa teoria ao indivíduo que é viciado. “O fumante se ilude. Caminha para uma trilha em que ele troca o cigarro industrializado, que é sabidamente nocivo à saúde, por outro que é vendido como não sendo nocivo, mas que, na verdade, causa tanto mal quanto”.

Como parar de fumar?

A grande maioria dos fumantes já tentou parar de fumar um dia. Boa parte deles também se esconde atrás da teoria que pode largar o vício quando quiser. São comportamentos que, segundo Moraes, se assemelham aos dos alcoólicos que, quando expostos, sucumbem à aceitação do vício. A diferença entre os dois, contudo, é que é menos difícil parar de fumar do que parar de beber.

“Os tratamentos para cessação do tabagismo são mais eficientes que os contra o alcoolismo. Há importantes auxílios medicamentosos e intervenções psicoterápicas que são muito eficientes, desde que o indivíduo queira largar o vício”, reforça Moraes. “Se o indivíduo está empenhado, se compreende e sabe que é difícil parar porque tem dependência, existem tratamentos clínicos eficientes, inclusive na saúde pública. O primeiro passo é querer parar de fumar”.    

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