Artigo de projeto que garante gratificação para vereadores concursados é inconstitucional

Jornal Tribuna Liberal consultou dois especialistas que foram unânimes em afirmar que artigo de projeto de Emenda à Lei Orgânica do Município de Hortolândia fere a Constituição

Dois especialistas consultados pelo Jornal Tribuna Liberal foram unânimes em afirmar que é inconstitucional o artigo 28 do Projeto de Emenda à Lei Orgânica de Hortolândia que garante pagamento de uma espécie de gratificação aos vereadores afastados da função de concurso para exercer cargo eletivo de vereador, prefeito e secretários.

O projeto tramita na Casa e contém esse chamado “jabuti”, que pode beneficiar seis vereadores que são concursados.

O Jornal Tribuna Liberal publicou reportagem sobre a polêmica na edição do dia 2 de abril deste ano. Esse artigo concede gratificação de 1/10 a cada ano em que servidores públicos exercerem cargo eletivo. O teto seria dez anos.

Desde 2010 que os parlamentares tentam emplacar essa gratificação e está sendo feita uma nova tentativa. A reportagem apurou que seis dos 19 vereadores poderiam ser beneficiados com a aprovação dessa lei e garantiriam bons salários, após o fim do mandato e retorno ao cargo de concurso.

Quem está encampando esse movimento contra esse artigo é o ex-presidente do Sindicato dos Servidores Públicos de Hortolândia (de 2016 a março de 2020), Milton Viana Pinto, que é diretor da Federação dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo.

Milton explicou que o servidor concursado voltaria a receber o salário de origem ao deixar o cargo eletivo e voltar a ser servidor.

Exemplificando, se o concursado receber R$ 2 mil, ao ser eleito vereador, a cada ano, o salário de concursado aumentaria um décimo do seu salário de vereador, que é de R$ 12,5 mil mensais.

No primeiro ano, o salário do concursado saltaria de R$ 2 mil para R$ 3.250. Em dez anos, o salário saltaria para R$ 14,5 mil.

O projeto em questão promove alterações na Lei Orgânica e no procedimento legislativo porque muitos trechos da legislação estavam ultrapassados e não se aplicavam mais nos dias atuais.

A intenção também é se adequar ao novo sistema administrativo adquirido pelo Legislativo. Posteriormente, será feita a revisão no regimento interno do Legislativo.

Os vereadores incluíram um artigo nessa lei, que cria essa gratificação. Esse projeto com as emendas foi subscrito por dez dos 19 parlamentares. O assunto ganhou as redes sociais e gerou discussões na cidade.

A advogada Nathalia Brisolla de Mello, Mestre em Direito Público, afirmou que é inconstitucional o artigo 28 da Proposta de Emenda à Lei Orgânica de Hortolândia – PEC nº 2/2022. “O art. 28. pretende incluir o art. 151-A na Lei Orgânica do Município de Hortolândia, e majorar a remuneração de servidor que venha a exercer ou já tenha exercido mandato de vereador no Município de Hortolândia, prefeito ou de secretário municipal de Hortolândia”.

“Ocorre que é iniciativa privativa do prefeito a criação de leis que tratem do aumento de remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração municipal. E ainda o poder de Emenda à Lei Orgânica Parlamentar não pode implicar aumento de despesa ao Poder Executivo, o que efetivamente ocorre nesse caso.

O referido artigo da Proposta de Emenda à Lei Orgânica fere também princípio constitucional da separação dos poderes, invadindo a competência exclusiva do prefeito e onerando o Município sem indicar a fonte do recurso, sem apresentar sequer o impacto orçamentário dessa despesa ao erário público”, informou Nathalia Brisolla.

IMORAL

O professor universitário em Direito Constitucional Estevão Schultz Campos, doutorando em Direito pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), segue a mesma linha. Ele informou que o artigo é inconstitucional por um aspecto material e formal.

No aspecto material, fere os princípios da administração pública, em especial a moralidade. Professor Estevão comentou que o país está no final de uma pandemia, em que os recursos são escassos, até mesmo para a área de saúde. “Com base nos princípios do direito administrativo, dar aumento nesse momento para funcionário público, em razão das dificuldades pelas quais passa a administração pública, e apresentar um projeto de emenda à lei orgânica para aumentar dispêndio pode ser considerado imoral”, afirmou o advogado.

Estevão também informou que o artigo também é inconstitucional no seu aspecto formal, porque a majoração de salários de funcionários públicos é competência privativa do Executivo, como está definido no artigo 61, parágrafo 1º , inciso 2º, alínea A da Constituição Federal.

“No Direito Constitucional, tem que ser seguido o princípio da simetria ou paralelismo. Ou seja, uma lei municipal não pode se sobrepor a uma federal. “A proposta muda a forma de remuneração de servidor público e não tem origem no Poder Executivo, e, por isso, sofre de vício formal”, disse o professor universitário.

O STF (Supremo Tribunal Federal) já definiu a jurisprudência sobre o assunto, ao julgar a ADI 1809. “A ementa diz que há inconstitucionalidade formal quando qualquer poder entrar na competência de outro”, explicou o advogado, no julgamento de uma ação de Santa Catarina, em que o Poder Legislativo alterou o regime jurídico dos policiais civis e militares.

No entendimento do professor universitário, se o projeto for aprovado com a emenda caberia uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), com base no julgado do STF.

Também caberia uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) frente à Constituição do Estado de São Paulo, por descumprimento ao preceito da simetria. E caberia ao Ministério Público fiscalizar a Câmara para impedir a concessão da gratificação.

Paulão garante que projeto não terá ‘votação escondida’

Diante da polêmica causada pela inclusão dessa emenda que prevê gratificação no projeto de emenda à Lei Orgânica do município, o presidente da Câmara de Hortolândia, Paulo Pereira da Silva, o Paulão, garantiu que “não vai ter votação escondida” e nem pretende pautar o projeto em regime de urgência.

Segundo ele, não há previsão para votação da proposta, que precisa ser apreciada em duas fases, com intervalo de dez dias, após passar pelas quatro comissões permanentes do Legislativo e estiver pronto para votação em plenário.

Paulão garantiu que o projeto de emenda à lei orgânica, que contém o artigo polêmico, também será divulgado junto com a pauta antes de ser colocado em votação, para dar ampla publicidade.

O presidente da Câmara informou que não foi ele quem incluiu essa emenda na propositura, mas assinou o projeto com as emendas, para permitir a tramitação, contando com a assinatura de dez vereadores, que subscrevem o projeto.

Antes da redação final, com as emendas, houve um amplo debate para fazer as mudanças na legislação que rege o funcionamento geral dos poderes e alguém incluiu essa emenda que beneficiava vereadores que são concursados, informou o presidente do Legislativo. Segundo Paulão, os vereadores tentaram descobrir quem seria o autor, mas não foi possível confirmar através do protocolo das emendas.

Segundo o presidente, a função da Comissão de Justiça e Redação é justamente verificar a legalidade do projeto, tanto que essa comissão nomeará um relator com esta finalidade e contará com a estrutura da Câmara para auxiliar na decisão. E podem ser incluídas inclusive emendas supressivas no projeto, esclareceu Paulão.

A reportagem apurou na ocasião que seis vereadores são servidores públicos e poderiam ser beneficiados com a aprovação do artigo considerado inconstitucional. Seriam eles Ananias José Barbosa (PSD); Daniel Laranjeira (PSD); Edimilson Marcelo Afonso, o Zaca (PTB); Luiz Carlos Silva Meira, o Luiz Regional (PL); Orlando César Andretta (PSD) e Valdecir Alves Pereira, o Nego (PSD).        

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