Sem controle, árvore daninha invade região e ameaça o meio ambiente

Municípios começam a buscar saídas para combater a Leucena, uma das piores espécies invasoras do mundo, que devora toda vegetação nativa às margens de rios e nascentes

Como em um filme de terror, no qual o alienígena invade um território e vai dizimando aos poucos seus habitantes, a Leucena - árvore de folhas miúdas que produz florzinhas brancas e vagens, encontrada em toda parte nas cidades, principalmente às margens de córregos -, causa prejuízos ao meio ambiente ao impedir o crescimento de vegetação nativa ao seu redor. Preocupados com o risco para a biodiversidade, municípios da região começam a buscar saídas para o controle da Leucena, que figura no ranking das 100 espécies invasoras mais daninhas do mundo, segundo levantamento do GEEI (Grupo Especialista de Espécies Invasoras) da Comissão de Sobrevivência de Espécies da UICN (União Internacional da Conservação da Natureza).

Nessa frente de batalha contra reprodução da espécie, Hortolândia se apresenta com ações práticas de combate à invasora e vai realizar um seminário para discutir o assunto (veja texto ao lado). Uma das ações práticas do município é o plantio de 80 mil mudas de árvores nos próximos dois anos, segundo a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

“A Leucena é encontrada em todo o território hortolandense. É um problema que afeta diretamente as administrações municipais diante da necessidade de arborização e de preservação de áreas verdes. Alguns especialistas falam até no perigo de formação de um “deserto verde”, composto apenas por Leucenas, em razão da sua capacidade de impedir o desenvolvimento de outras espécies”, assinala a secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Eliane Nascimento.

Em Nova Odessa, a infestação de Leucena no território urbano e em áreas de preservação ambiental também preocupa o município. Lá, a secretária adjunta de Meio Ambiente, Daiana Gutmanis, ex-diretora do IZ (Instituto de Zootecnia), aponta a necessidade de mais autonomia dos municípios para o corte da árvore. Atualmente, para realizar a supressão da espécie a Prefeitura precisa da autorização de órgãos ambientais de outras esferas governamentais.

“Aqui em Nova Odessa, ela está em todos os lugares. Pesquisadores e técnicos da área de meio ambiente deveriam se unir em um movimento para autorizar o corte da Leucena e, assim, garantir o controle dessa espécie invasora. Se sairmos cortando sem autorização da Cetesb ou outro órgão ambiental, podemos ser multados. É uma situação delicada, mas extremamente urgente”, explica Daiana.

Sumaré já está no combate para frear a reprodução da árvore. Segundo a Secretaria do Meio Ambiente, nos locais onde a espécie é encontrada - como calçadas, áreas públicas e áreas verdes –, é realizada a supressão (corte). Após a retirada, o lugar recebe o plantio de árvores apropriadas e nativas. Todo o processo de controle das Leucenas é feito respeitando as diretrizes legais. “A lei 5.793/15 diz que é necessária autorização para retirada das Leucenas, pois mesmo sendo uma espécie invasora, é importante uma concessão para não cortar outros tipos de árvores”, destaca a Secretaria de Meio Ambiente, por meio da Assessoria de Imprensa.

PRAGA DEVORADORA?

A árvore que apavora gestores e técnicos ambientais da região é vista como inofensiva aos olhos de leigos no assunto. No fundo da casa da operadora de fast food Beatriz Carreiro, 31 anos, localizada no Centro de Hortolândia, tem uma árvore Leucenia.

“Quando nos mudamos para Hortolândia, um ano atrás, nos assustávamos com o barulho das sementes das vagens que se abriam e caiam no telhado da casa. Parecia que alguém jogava pedra”, conta Beatriz, que disse desconhecer os perigos da espécie para a biodiversidade. Para ela, até então, o único incômodo causado pela planta era o barulho ocasionado pelas sementes no seu telhado.

Os especialistas, porém, esclarecem e reforçam: a Leucena é considerada uma praga devoradora de toda vegetação das matas ciliares e forma uma espécie de deserto verde onde se reproduz.

“É uma árvore invasora dominante que ocupa todo o espaço onde nasce, eliminando as plantas nativas. Isso faz com que haja um empobrecimento do solo e da biodiversidade das espécies. Também causa impacto na fauna e na flora porque suprime todas as espécies nativas que estavam no local”, explica o engenheiro e assessor técnico do Consórcio PCJ, Flávio Forti Stenico.

Estudo do PCJ orienta como mapear, retirar e combater espécie

O Consórcio PCJ (Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí) produziu um estudo que orienta os municípios a mapear, retirar e combater a reprodução da Leucena.

De acordo com o engenheiro e assessor técnico do Consórcio PCJ, Flávio Forti Stenico, o estudo constatou a agressividade da espécie invasora nas APPs (Áreas de Preservação Permanente), mananciais e nascentes das bacias PCJ. Onde a planta é encontrada, a vegetação nativa é eliminada ou as áreas de mata ciliar são completamente dominadas pela árvore daninha.

Stenico conta que o estudo regional para controle da planta recomenda aos municípios uma série de ações para sua erradicação. O material também traz um arcabouço legal com as diretrizes estaduais e municipais para o corte da maneira correta.

Além disso, o estudo faz recomendações sobre os modos de manejo que podem ser mecânico (corte), químico ou biológico; orientações para o controle do banco de sementes que ficam no solo e sugestões para evitar a regeneração da espécie.

O trabalho também indica a forma de manejo e reutilização da massa verde, que é a lenha gerada com o corte, e sugere a queima em fornos industriais.

“Como entidade de fomento, planejamento e sensibilização, o estudo do PCJ aponta iniciativas desde a identificação do território que contém as espécies invasoras ao plano de manejo e controle dessa espécie, que pode ser de forma química ou mecânica dependendo do lugar onde estiverem essas árvores”, resume Stenico.

Hortolândia vai realizar seminário para discutir controle e impedir deserto verde

Hortolândia prepara um seminário ambiental para discutir com especialistas e comunidade a necessidade e possibilidades de controle da Leucena. O evento está previsto para 08 de junho, durante a Semana Mundial do Meio Ambiente. “Essas árvores estão espalhadas, sem controle, em nossa região. A ideia é trazermos o assunto à tona, a fim de encontrar alternativas práticas ou de legislação, visando aprimorarmos nossa busca pelo controle da espécie em nossos centros urbanos. A luta é de todos nós (municípios), pois as sementes da Leucena não sabem onde começa ou termina uma cidade”, comenta a secretária.

De acordo com Eliane, levantamento parcial feito pelo município aponta que a infestação das Leucenas se destaca no entorno dos parques socioambientais implantados ao longo dos córregos que cortam a cidade e deságuam no Ribeirão Jacuba, principal leito de água do município.

Segundo ela, a Prefeitura já elabora projetos de recuperação das APPs (Áreas de Preservação Permanente) com supressão de Leucenas e posterior plantio de espécies nativas. Está previsto o plantio de 80 mil árvores nos próximos dois anos, adianta a secretária.

“As ações de preservação e de recuperação têm ganhado fôlego nos últimos anos em razão da implantação da política de sustentabilidade ambiental e urbana aqui em Hortolândia, que valoriza a abertura de parques ambientais e a abertura de novas vias, várias delas em trajetos que abrigam APPs. O projeto do prefeito Zezé Gomes visa embelezar a cidade, valorizando a diversidade de espécies”, contextualiza Eliane.

A ambientalista afirma que, enquanto não é possível a erradicação da Leucena, o município desenvolve iniciativas que controlem o nascimento e desenvolvimento dessa espécie.

“Trabalhamos para que esse controle ocorra de forma que os exemplares existentes não afetem negativamente a existência de outras árvores em nosso território. A Legislação atual que ordena o corte de árvores já garante que a supressão de uma árvore, seja compensada de acordo com a origem do exemplar (nativa ou exótica)”, explica Eliane.

Conscientizar, remover e plantar novas espécies

O primeiro passo para o controle da Leucena é a discussão do assunto com a comunidade e conscientização sobre o perigo da espécie invasora para o meio ambiente. A recomendação do Consórcio PCJ inclui ações de educação ambiental nas escolas.

Nesse trabalho, observa Stenico, os municípios devem esclarecer que serão plantadas espécies nativas no lugar das Leucenas removidas das matas ciliares, com o objetivo de recuperar as nascentes d´água e áreas de preservação permanente, cuja vegetação foi prejudicada pela planta invasora.

“O Consórcio orienta, cabe ao município ouvir todas as partes e, se entender como necessária essa ação, partir para uma ação de sensibilização por meio de ações práticas e efetivas do controle”, reforça o assessor técnico do PCJ.

ORIGEM DA LEUCENA

- Planta nativa da América Central, a Leucena é uma leguminosa rica em proteína, com grande utilidade na alimentação de gados e porcos.

- Nos seus países de origem a espécie é manejada em pastos, cujos arbustos chegam, no máximo, a 80cm de altura.

- Nas regiões de clima tropical, como o Brasil, essa planta cresce de forma rápida e pode chegar até três metros de altura no primeiro ano de vida.

- É reconhecida como espécie invasora agressiva e causadora de perda de biodiversidade em vários países.

Sementes resistentes dificultam controle, diz engenheiro agrônomo da USP/Esalq

O engenheiro agrônomo José Otávio Menten, professor sênior da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), campus da USP (Universidade de São Paulo) em Piracicaba, observa que mesmo cortando essa espécie de árvore invasora, suas sementes podem durar muitos anos no solo, brotar de novo e exterminar as espécies nativas ao redor, condição que torna ainda mais desafiador o controle da Leucena.

“Essas sementes não germinam todas no mesmo instante. Vão ficar vivendo no solo até que condições adequadas surjam, e aí essa sementeira vem com muito vigor. As substâncias produzidas pelo sistema radicular dessa planta se difundem no solo e, ao encontrarem sementes ou raízes de outras plantas, prejudicam o seu desenvolvimento”, explica o professor da USP/Esalq.

Outra dificuldade para inibir a reprodução da espécie arbórea é a restrição à utilização de produtos químicos, assinala Menten. “Então, sobra mais o controle mecânico que é através do corte e que pode ser aprimorado com a utilização de métodos complementares, como, após o corte, a colocação de sacos plásticos que também reduzam a rebrota dessas árvores. Há necessidade de se conversar com as autoridades ambientais para se verificar a possibilidade da utilização de defensivos e herbicidas que ajudem na eliminação definitiva dessas plantas”, defende o engenheiro agrônomo.

O ex- secretário de meio ambiente de Piracicaba foi pioneiro na região ao realizar, em 2019, um seminário para discutir os impactos da Leucena para o meio ambiente e as formas de controle. O evento reuniu especialistas no assunto e a comunidade.

“A preservação dessa espécie é prejudicial ao meio ambiente. Os municípios precisam ajudar na conscientização da população, das autoridades, inclusive do MP (Ministério Público) que essas ações de eliminação das Leucenas são importantes e benéficas ao meio ambiente. Muita gente se posiciona de maneira equivocada porque não há conhecimento sobre o prejuízo dessas pragas invasoras para o meio ambiente”, afirma Menten.

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