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Pesquisa: recessão interrompeu redução de desigualdade, como política de combate à discriminação

População negra foi a mais prejudicada durante crises no mercado de trabalho

Retração econômica de 2015 e pandemia agravaram quadro de desigualdade já existente, diz pesquisa da Unicamp; pandemia reduziu rendimento mensal de informais

Da Redação | Tribuna Liberal

“Se a sociedade fosse uma casa, o racismo seria o cimento que a construiu.” Com essa metáfora, a economista Ana Paula Ribeiro Moreira ilustra como o racismo é uma estrutura que rege o funcionamento da sociedade. Inerente ao modo de produção capitalista, ele também se manifesta na criação e manutenção de desigualdades em ambientes como o mercado de trabalho. Exemplo disso para ela é o fato de que as duas últimas grandes crises econômicas impactaram com mais intensidade a situação ocupacional de pessoas negras, agravando desigualdades que vinham sendo atenuadas desde o início do século.

Essa foi a conclusão de Moreira em sua pesquisa de mestrado em Desenvolvimento Econômico, recém-defendida no Instituto de Economia da Unicamp. Na dissertação, a pesquisadora analisou os efeitos da recessão de 2015 e da pandemia de Covid-19 na situação ocupacional de trabalhadores negros e não negros, a partir de informações levantadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua, que mede as flutuações e a evolução da força de trabalho brasileira. Para tanto, a pesquisadora avaliou os dados de 2012 a 2021 de uma amostra composta por trabalhadores com idade a partir de 16 anos e que residiam em ambientes urbanos.

“Queríamos ver quais eram as oscilações dentro do mercado de trabalho para as pessoas negras e não negras antes, durante e após a crise de 2015. Como o tempo da dissertação se estendeu, pegamos também o período mais recente da pandemia”, relata Moreira, explicando que o trabalho não se propõe a apresentar uma solução para o racismo no mercado de trabalho, mas a condensar informações sobre o tema e a fazer uma crítica social e econômica. “Fazer um recorte de raça ao estudar renda e mercado de trabalho é uma forma de conseguir visualizar onde está o racismo estrutural e como ele se manifesta”, comenta a autora, que se baseou em um conceito proposto por Silvio Almeida, atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania.

De forma geral, o estudo revelou que a recessão de 2015 interrompeu o processo de redução das desigualdades relacionadas a fatores como geração de empregos formais, valorização do salário-mínimo, políticas de combate à discriminação e fortalecimento de direitos. Embora ambos os grupos investigados — negros e não negros — tenham sido prejudicados pela crise, foi o primeiro quem mais sofreu com a precariedade ocupacional, o que inclui informalidade, desocupação e desalento, neste último caso, quando a pessoa desiste de procurar emprego, mesmo que ainda queira trabalhar. A pandemia, por sua vez, reduziu o rendimento mensal dos trabalhadores informais e agravou os impactos negativos da flexibilização das leis trabalhistas, sobrepondo-se a uma deterioração já em andamento.

Para se ter uma ideia, enquanto em 2012 a população negra representava cerca de 69% das pessoas em desalento — aproximadamente 1,32 milhão de cidadãos —, em 2019, esse número subiu para 3,5 milhões, o que correspondia a 74% dos desalentados. Na crise sanitária, a quantidade de pessoas negras que desistiram de procurar um emprego atingiu o seu pico no terceiro trimestre de 2020, quando 4,2 milhões de cidadãos (72,1%) tinham perdido as esperanças de trabalhar. Apesar de esse número ter melhorado ao final de 2021, voltando aos mesmos 3,5 milhões de 2019, ainda está em um patamar significativamente superior àquele de 2012.

Os resultados demonstram a fragilidade das melhorias ocorridas até 2014 para manter a população negra em relativa segurança, visto que, além da redução da desigualdade ter sido tênue, o racismo estrutural se mantinha. “Em uma crise, os mais afetados são os trabalhadores vulneráveis, que têm menos condições de competir por uma vaga. Isso provoca o aumento do trabalho informal, e os negros têm mais dificuldades de serem bem-sucedidos nesse quesito”, explica o docente Marcelo Proni, que orientou a dissertação de Moreira. “Isso não é algo que a gente consiga eliminar em pouco tempo. Há discriminação, por um lado, mas também uma menor chance de estudar. Trata-se de uma conjuntura com uma série de questões que criam uma condição menos competitiva para eles”, complementa.

PRECARIEDADE OCUPACIONAL

Para a avaliação dos dados, Moreira e Proni elaboraram uma nova metodologia ao sobrepor indicadores relacionados a informalidade e baixa renda. Dessa forma, emprego sem carteira assinada, trabalho por conta própria e pequeno empregador sem inscrição no CNPJ, em associação ao rendimento mensal menor que um salário-mínimo, seriam os definidores da precariedade ocupacional. Embora a precariedade também atinja outros tipos de trabalhadores, os pesquisadores entendem que a falta de registro e a baixa remuneração agravam esse fenômeno ao retirar a proteção da seguridade social e reduzir a qualidade de vida dos cidadãos.

Ainda de acordo com a pesquisa, antes de 2015, muitas famílias podiam deixar seus filhos apenas estudando, devido à valorização do salário mínimo; posteriormente, a redução da renda durante as duas crises forçou esses jovens a trabalharem. Durante a pandemia, por exemplo, a maioria dos trabalhadores se viu obrigada a continuar suas atividades profissionais com uso de máscaras e álcool em gel, ao mesmo tempo que o auxílio emergencial permitiu que milhões de desempregados parassem de procurar emprego. 

Com isso, houve redução da desigualdade quando a análise considera apenas trabalhadores empregados, porque a população de baixa renda ficou desempregada ou inativa. “Só que é algo efêmero e ilusório, porque as condições do mercado de trabalho e da família não estão melhorando. É uma crise de outra natureza, mas na qual a população negra também foi impactada de forma mais intensa”, argumenta Proni.

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