Cultura
Flávio Venturini fez show em Hortolândia, na sexta-feira (02), acompanhado da Banda Municipal

Cantor Flávio Venturini junta música popular com orquestra, em Hortolândia

Na sua passagem pela cidade, o compositor mineiro valorizou iniciativas da Prefeitura para aproximar a população da música instrumental e revelou projetos em comemoração aos seus 50 anos de carreira

Beth Soares | Tribuna Liberal

A mistura de canções populares com a música erudita é uma forma de aproximar o público dos concertos. A opinião é do cantor, compositor e tecladista, Flávio Venturini, que fez show em Hortolândia, na noite de sexta-feira (02/02), acompanhado da Banda Municipal, no evento Concertos Especiais, promovido pela Prefeitura, por meio da Secretaria de Cultura. Antes do show, o ex-integrante do grupo 14 Bis recebeu a reportagem do Tribuna Liberal para um bate-papo. 

Nesta entrevista, o artista, que comemora 50 anos de carreira, valoriza iniciativas do Poder Público para aproximar a população da música instrumental, revela projetos em andamento, a exemplo do livro de memórias que começa a escrever, além da produção do segundo volume do álbum “Paisagens Sonoras”. Também relembra histórias dos tempos do Clube da Esquina, grupo de músicos, compositores e letristas, que surgiu em Belo Horizonte (MG), nos anos 1960, onde o compositor fez escola. 

Aos 74 anos, Flávio Venturini esbanja energia, numa maratona de mais de 40 shows por ano. Para a apresentação em Hortolândia, o músico escolheu um repertório com suas músicas mais conhecidas, como “Céu de Santo Amaro” e “Todo Azul do Mar”, desde o Clube da Esquina, passando pelas fases em que foi integrante dos grupos O Terço e 14 Bis até chegar a sua carreira solo. Leia a entrevista:

Tribuna Liberal: Flávio, o show que você fará em Hortolândia, nesta noite, é uma iniciativa da Prefeitura para valorizar os artistas locais e facilitar o acesso da população à música instrumental. Na sua opinião, qual a importância desse tipo de ação por parte do poder público?

Flávio Venturini: Esse tipo de iniciativa é ótima, sempre muito bem-vinda. A cultura sempre dependeu um pouco do apoio público, estatal. Então, qualquer iniciativa dessa - e muitas das orquestras do Brasil tem esse caráter de serem subvencionadas pelo Estado -eu acho que é uma fonte de cultura importante porque mistura uma linguagem de música erudita, de orquestra, com a música popular, que é mais acessível ao grande público. Com o tempo, se constatou que o público adora esse tipo de música. Não tem esse caráter elitista de que a música de concerto é só para um público A ou B. Cada vez mais as orquestras estão chegando mais perto do público.

Como você escolheu o repertório para cantar com a Banda Municipal de Hortolândia?

Eu tinha alguns arranjos que sugeri ao maestro, ele refez os arranjos. Eu escolhi os grandes sucessos. As músicas que seriam mais fáceis de serem reconhecidas pelo público. São músicas minhas que foram sucesso, tema de novela, que ficaram nas paradas de sucesso. Tem coisas que vem do meu trabalho com o grupo 14 Bis. Tem coisas do meu trabalho solo, tem uma música do grupo Terço, que foi minha primeira banda, que é “Criaturas à Noite”. Tem minha música mais tocada, que é “Céu de Santo Amaro”. Então, o repertório é bem variado e atinge bem o público.

Como recebeu o convite para cantar junto com a orquestra municipal? É comum você participar desse tipo de evento?

Quando há esse encontro meu com as orquestras, sim. Geralmente, as orquestras atuam mais no âmbito da sua cidade. E eu recebi o convite (de Hortolândia) através da Internet. Eu tenho um produtor que recebeu essa proposta, aí eu passei para o meu empresário, que é o Lima Barral... E eu fiquei honrado pelo convite para participar do concerto. O maestro foi super simpático, manteve contato comigo o tempo inteiro sobre os arranjos. Ensaiamos na quinta e na sexta.

Como levar a música instrumental para a periferia?

Já vi vários projetos nesse sentido. Tenho convite de uma orquestra jovem do Ceará, por exemplo, que pegaram crianças carentes e fizeram uma orquestra de crianças, acho maravilhoso. Tem muitos projetos assim... Acho que tem que ter sempre essa ligação do popular com o erudito porque o popular é a linguagem que atinge mais. É como aqui, em Hortolândia, juntar uma linguagem de orquestra com música popular. É um casamento que fica acessível ao público. E é uma forma de educar.

Quais os projetos em comemoração aos 50 anos de carreira?

Aí tem várias histórias. Tem um DVD que eu estou fazendo, estou terminando um show que eu gravei em Belo Horizonte. Estou escrevendo um livro sobre a minha trajetória, sem nenhuma pretensão, mas assim contando histórias curiosas, que vão acontecendo na vida da gente. Minha história com o Clube da Esquina, com as minhas primeiras bandas, encontros com artistas. É um livro de memórias. E a gente está pensando, também, em um filme documentário com momentos da minha carreira.

Você está falando sobre os 50 anos de carreira. Me conta como que a música aconteceu na sua vida?

Tem uma memória antiga que eu sempre cito. Minha mãe tinha uma pensão enorme, de 80 hóspedes. Morava um maestro lá e ela me pegava dormindo na porta do quarto dele. A música já me encantava com três anos de idade. Mas, a relação com a música mesmo veio, mais tarde, quando minha mãe ao perceber meu gosto pela música (eu ouvia muito rádio...Bandas estrangeiras, música brasileira também, alguns cantores da antiga...) me deu um acordeão, que era um instrumento muito usado na época por ser portátil. E aí estudei um pouco numa bandinha que dava aula. Meu primeiro contato com a música foi esse. E meu pai tinha um restaurante que tinha música ao vivo. E nesse restaurante tinha um piano. Eu ia para lá à tarde, ficava tocando de ouvidos, sem estudar ainda. E eles perceberam que eu tinha jeito para a música. Começava tirando de ouvido as músicas que eu gostava, músicas dos Beatles, que já estavam começando essa época. E daí eu ganhei esse piano. Meu pai me deu esse piano.

E você chegou a estudar formalmente, música?

Estudei na Fundação de Educação Artística, que é uma escola em Minas Gerais, que já tinha uma abertura para a música popular na época. Quando a professora me fez uma análise, ela falou: seu caminho é a música popular. Você gosta disso, não vou te colocar para estudar a música erudita, ser um pianista clássico. E eu gostei, realmente saí por um caminho que eu queria.

Que outros instrumentos você toca?

Violão. Acabei aprendendo tocar um pouco de violão. Eu uso mais para compor. Não sou um violinista virtuoso. E acho que eu tive sorte na minha carreira... ainda toquei nos grupinhos de baile pra começar, aí teve um festival em Belo Horizonte, o Festival Estudantil da Canção, onde eu conheci todo o pessoal do Clube da Esquina.

Qual o significado do Clube da Esquina na sua carreira?

Muito importante esse contato com eles. Eu falo que foi uma escola de música para mim porque eu toquei com todos, com Beto Guedes, Lô Borges, com Milton Nascimento, Toninho Horta... foram fantásticos e enriquecedores em termos de aprender. A gente aprende no contato também, tocando aquelas músicas, boas, de vários estilos. A música mineira é muito rica. Aí tive a minha primeira banda, que começou em 1974, o grupo Terço. Mudei para São Paulo. Eu fiquei três anos e meio. Voltei a Minas para acabar de gravar um disco com Beto Guedes. Daí Milton me chamou para participar do Clube da Esquina 2, onde ele gravou Nascente... Daí a gravadora me chamou pra gravar um disco meu. E eu não quis na época. Eu falei: estou fazendo uma banda, que se tornou a 14 Bis. Aí eu fiquei 8 anos. Foram anos de sucesso...

Por que foi para a carreira solo?

Assumi a minha carreira solo porque, assim, eu tenho mais liberdade de fazer os meus projetos, os vários tipos de shows, inclusive esse show com orquestra...mas eu tenho show com a minha banda, tem alguns encontros acontecendo, como o Beto Guedes e Lô Borges... E, agora, com essa data de comemoração de 50 anos, a gente tem alguns projetos aí.

Você falou do Clube da Esquina, que é um marco na história da MPB. Que legado o movimento deixou e o que anda um pouco esquecido atualmente?

O legado do Clube da Esquina é uma riqueza de compositores, de autores, de letras, de poetas maravilhosos como Ronaldo Bastos, Márcio Borges, Fernando Brant...E compositores de vários estilos diferentes, mas unidos por uma qualidade muito boa no sentido de harmonia e melodia de composição. Então, o Clube da Esquina não foi um movimento muito político, nunca se posicionou muito politicamente, é um movimento pela música, pela qualidade da música.

Você acha que, nos dias de hoje, ainda é possível surgir um movimento como o Clube da Esquina?

Acho que pode acontecer, mas, da mesma forma acho difícil. A música hoje ficou muito rápida. A gente tem bons artistas acontecendo, mas a mídia é devoradora... Um artista faz sucesso hoje, daqui a pouco, ninguém se lembra mais da pessoa. Ela não consegue sedimentar uma carreira consistente... Muito sucesso rápido. No caso da minha geração, a gente tem uma carreira construída, disco a disco, bem produzidos. A gente levava meses para fazer um disco, era um outro tipo de processo, né?

Céu de Santo Amaro é um dos seus maiores sucessos (e minha música preferida). Qual a história por trás dessa linda canção?

Eu sempre gostei de música erudita. Não é à toa que eu já fiz um monte de concerto...Vou muito pra Bahia, tenho uma casa lá. E eu nunca tinha ido na festa de Santo Amaro, que acontecia na casa da dona Canô, mãe do Caetano (Veloso). Depois ela saía para as ruas e tudo... é uma procissão religiosa que se faz no dia 6 de janeiro, Dia de Reis... E acontecia uma festa na casa de dona Canô, tinha umas casas antigas, que vão de um quarteirão ao outro, tem um quintal grande, tinha comida baiana, bandas tocando uma festa bem Bahia, que é a terra da alegria. E eu fui convidado por um amigo, eu já conhecia o Caetano dos encontros com o Milton (Nascimento). E aí Caetano me recebeu muito bem...Nesse dia, estava um céu incrível de verão. E eu fui no carro com um amigo ouvindo a gravação de uma música de Bach (Sebastian Bach), tocada por um violonista espanhol. Fiquei ouvindo e pensei: isso parece uma música popular... É uma música erudita, mas tocada de uma forma que dá uma canção popular. Cheguei a ligar para um parceiro meu dizendo, pô, vamos fazer essa letra... Mas eu fiquei inspirado por aquela noite tão bonita e voltei fazendo a letra do carro mesmo. Quando eu cheguei no hotel, tinha um tecladinho, eu sempre viajo com um tecladinho. Aí toquei a música, não me lembro se eu gravei. E o Caetano tinha falado pra mim nesse dia: você veio à Bahia, me liga, vamos nos encontrar lá em Salvador. E aí eu liguei pro Caetano, fui passar um dia com ele, mostrei a letra pra ele, que me chamou, inclusive, pra cantar numa festa da mãe dele, que ia acontecer na Concha Acústica de Salvador. Aí cantamos, ficou muito bonito. Então, quando eu gravei a música, eu o convidei. Ele participou...

Então, Céu de Santo Amaro é uma declaração de amor à Bahia e não à uma pessoa?

Eu fiz inspirado, também, numa relação que eu estava tendo na época e estava sentindo que a relação estava acabando. Então, foi uma declaração de amor profundo, explicitada por meio desta música.

Como está o projeto Paisagens Sonoras?

Eu estou fazendo o volume 2. Era para eu ter gravado já, 2023 foi um ano de muito trabalho, fiz 44 shows...Preciso terminar esse projeto para ir em frente porque eu tenho o Paisagem Sonoras 3, que vai ser um disco instrumental, que é um sonho antigo na minha carreira, que vai ter, inclusive, coisas de orquestra também. Eu estou com muitas ideias para esse novo disco...

Qual o segredo para chegar aos 74 com tanta energia, produzindo tanto?

Eu sempre cuidei muito da saúde, sou muito ligado nisso... Eu falo que eu sou um médico torto, não estudei medicina, mas sempre fui ligado na saúde. Tenho a sorte de não beber (só socialmente), não fumo, faço pilates, um pouco de academia... Ainda sinto vontade de fazer muitos projetos. Eu tenho muitas coisas acontecendo na minha vida e preciso ter energia para isso.

O que o Flávio Venturini faz quando não está compondo, tocando, cantando?

Eu tenho uma vida tranquila. Não saio muito para a noite. Eu saio para ver show, teatro, eventualmente... às vezes eu faço reuniões na minha casa. Eu moro num condomínio fora da cidade, mas a 20 km só de Belo Horizonte, em meia hora estou na cidade. Eu vivo uma vida no campo, praticamente... E tem uma casa grande, então sou dono de casa também. Tem um estúdio lá, então o meu trabalho é muito com a música... porque eu tenho muitas músicas compostas...então, eu tô cuidando desse acervo... eu quero gravar muitas outras coisas ainda e, de repente, disponibilizar pra alguns cantores.

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